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O tecnólogo em Radiologia Luis Henrique Pires registrou uma cena que mostra o descaso da Infraero e das concessionárias que administram os aeroportos brasileiros com a saúde dos trabalhadores que operam equipamentos emissores de raios X nos terminais aeroviários. Como se pode ver na imagem ao lado, duas grávidas operam escâneres de bagagem no embarque doméstico do Aeroporto de Guarulhos. O flagrante foi feito dia 23 de dezembro de 2013, por volta das 16 horas. O CONTER notificou os responsáveis e o MP/SP a respeito da denúncia.

“Atentar contra a vida de uma criança é um crime contra a humanidade. Se algo ocorrer com os bebês dessas mulheres no futuro, os responsáveis devem ser punidos nos termos da lei. Para qualquer profissional da área, resta claro que uma gestante não pode operar um escâner que emite raios X. Contudo, não tem profissionalismo nos aeroportos, pois a busca é sempre pelo menor custo. Esses operadores são mal qualificados para a função e não sabem o risco que correm. Não existe responsabilidade técnica. O trabalhador é tratado como gado”, se revolta a presidenta do CONTER Valdelice Teodoro que, ao longo de sua juventude, perdeu um filho por ter sido exposta indiscriminadamente à radiação ionizante numa sala de Radioterapia.

Normas federais disciplinam a matéria, mas são ignoradas tanto pela Infraero quanto pelas concessionárias privadas que hoje administram grande parte dos terminais aeroviários. De acordo com o item 32.4.4 da Norma Regulamentadora 32 (NR32), “toda trabalhadora com gravidez confirmada deve ser afastada das atividades com radiações ionizantes, devendo ser remanejada para atividade compatível com seu nível de formação”. A medida tem o objetivo de preservar a saúde e o desenvolvimento do feto, que é extremamente sensível à radiação ionizante e pode sofrer alterações genéticas ou outros problemas de saúde caso seja exposto além do recomendado.

Segundo a Portaria ANVISA n.º 453/98, que institui diretrizes básicas de proteção radiológica:

2.13 Exposições ocupacionais

  1. b) Para mulheres grávidas devem ser observados os seguintes requisitos adicionais, de modo a proteger o embrião ou feto:

(I) a gravidez deve ser notificada ao titular do serviço tão logo seja constatada;

(II) as condições de trabalho devem ser revistas para garantir que a dose na superfície do abdômen não exceda 2 mSv durante todo o período restante da gravidez, tornando pouco provável que a dose adicional no embrião ou feto exceda cerca de 1 mSv neste período.

A tese de que a radiação ionizante de baixa intensidade não é nociva à saúde humana já foi derrubada em diversos artigos científicos de renome internacional. É consenso no meio acadêmico que a exposição à radiação sem um rigoroso controle das doses absorvidas provoca alterações do material genético das células e pode causar problemas de saúde, como câncer, anemia, pneumonia, falência do sistema imunológico, problemas na pele, entre outras doenças não menos graves, que podem induzir ao infarto ou derrame.

Entre os grupos de risco, o principal é o das gestantes. Uma grávida não pode ser exposta, principalmente, se estiver no primeiro trimestre da gravidez, período em que o feto tem maior nível de radiossensibilidade. Dependendo da exposição, a radiação pode perdurar em uma contagem significativa, gerando risco de efeitos biológicos para a criança.

De acordo com a Portaria ANVISA n.º 453/98, os limites pessoais determinados pela legislação são de 50 milisieverts (mSv) de dose efetiva por ano, devendo possuir uma média de 20 mSv em 5 anos, além de valores intermediários durante os meses, que traduzem níveis sujeitos à investigação e/ou intervenção laboratorial (exames citogenéticos) e notificação às autoridades reguladoras. Para monitorar essas doses, o profissional que lida diretamente com o equipamento deve usar um dispositivo chamado dosímetro. Nos aeroportos, os operadores de escâneres não fazem dosimetria ou uso de qualquer outro Equipamento de Proteção Individual (EPI).

Há riscos para qualquer indivíduo exposto ocupacionalmente, mesmo que o equipamento produza baixas taxas de dose, em função das características de ocorrência dos efeitos estocásticos.

“A radiossensibilidade celular está diretamente relacionada com a taxa de reprodução do grupo celular. Quanto maior a taxa de reprodução, maior a radiossensibilidade. Então as células da pele, tireóide, gônadas e cristalino estão mais suscetíveis aos efeitos biológicos das radiações ionizantes. Portanto, devem estar protegidas no momento da exposição. Contudo, atualmente, os operadores desses equipamentos na área de segurança trabalham sem nenhum cuidado ou acompanhamento à saúde”, esclarece Valdelice Teodoro. É recomendado que os operadores de escâneres façam exame de sangue com contagem de plaquetas a cada seis meses e, ao sinal de queda, o profissional seja afastado preventivamente até o reestabelecimento das taxas.

Litígio

Não é de hoje que o Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) tenta alertar as autoridades sobre os riscos e as responsabilidades que envolvem a utilização da radiação ionizante nos aeroportos. De oficiamento a processo judicial, a autarquia já tentou de tudo para apontar as ilegalidades em curso. Entretanto, a resistência não é vencida nem pelo surgimento de doenças ocupacionais graves.

De acordo com o mestre em Radioproteção e Dosimetria pelo IRD/Cnen, professor Giovane Teixeira, ler radiografias e assimilar a radioproteção exigem treinamento em cadeiras paralelas à simples formação da imagem, como a física das radiações e a radiobiologia, o que não é possível a um agente de segurança sem formação específica. “Um profissional com uma formação em análise de imagens, que estudou sobre a física das radiações e, especificamente, os parâmetros de imagem convencional e digital seria capaz de uma interpretação mais eficiente nessas inspeções, reduzindo assim os riscos envolvidos e aumentando a efetividade do sistema”, garante.

Em resposta ao Ministério Público Federal (MPF), nos autos do Inquérito Civil n.º 1.16.000.000094/2011-62, a Infraero afirma que os escâneres de inspeção são seguros e não representam risco à saúde por serem dotados de uma cavidade interna, blindada e protegida.

O CONTER refuta o argumento, pois não existe nenhum equipamento de raios X sequer que tenha a ampola geradora da radiação ionizante exposta. Todas são, de fato, internas. Todavia, não são totalmente blindadas e, muito menos, “protegidas”. O fato de a fonte emissora de radiação ficar dentro do equipamento não evita a dispersão dos raios X que são emitidos, é o que se chama de radiação secundária.

Em resumo, isso significa dizer que quando um feixe de raios X é acionado e entra em contato com a superfície a que foi direcionado, embora seja colimado, há o espalhamento de radiação ionizante no ambiente. De maneira imediata, não representa risco, pois essa é considerada uma radiação de baixa intensidade. Todavia, os raios X possuem efeito acumulativo e estocástico e, em médio e longo prazo, podem resultar em efeitos biológicos.

FONTE: CONTER

09/01/14