O uso da radiatividade no Brasil
Prestes a completar 27 anos, o acidente radiológico com o Césio 137 em Goiânia, um dos maiores envolvendo elementos radioativos do mundo, ainda faz com que a população sofra com as consequências. Diferente do acontecido em Chernobyl um ano antes, o acidente radiológico de 1887 em Goiânia atingiu a população de forma direta, porque a contaminação se deu dentro da cidade, o ambiente foi exposto em área urbana, e não nos arredores como em outras ocorrências em usinas nucleares.
O episódio que teve início em 13 de setembro de 1987 e ganhou grande repercussão na época, e foi destaque diversas vezes em jornais, revistas e na televisão, ganhou até um filme que narra o episódio. Césio 137 é um elemento químico usado para a cura do câncer, produzido em laboratório, e que é altamente radioativo.
Radioatividade é a propriedade de determinados tipos de elementos químicos radioativos emitirem radiações, um fenômeno que acontece de forma natural ou artificial.
“Eu me apaixonei pelo brilho da morte”
Em 13 de setembro de 1987 dois jovens catadores de papel entraram em um hospital abandonado à procura de sucatas e encontraram uma peça de chumbo e metal. Animados com o alto valor que conseguiriam com a venda do equipamento, o levam com eles. A peça então é vendida ao ferro velho de Devair Alves Ferreira, onde é desmontada. À noite ele é atraído por um brilho no fundo do ferro velho, uma estranha luz azulada que ele percebe ser emanada pelo misterioso pó branco que estava no interior do equipamento. Fascinado com a beleza, se apressa em levar para casa e mostrar a novidade à esposa. O encanto com que aquele material é visto faz com que ele seja entregue aos amigos e familiares, como uma forma de agrado. Desse modo a área de contaminação só faz aumentar.
Todos que entraram em contato com o material são contaminados, alguns de forma mais severa, outros menos. Devair e a mulher começaram a apresentar sintomas como perda do paladar, náuseas, tonteiras, vômitos e diarreia. A esposa de Devair percebe que tais sintomas começaram a aparecer depois que aquele pozinho foi levado para sua casa, e começa a suspeitar que a culpa seja do material. Decide então levar metade da peça para a vigilância sanitária.
Depois de alguns dias jogada em cima de uma cadeira, a peça é finalmente identificada como material radioativo. A partir desse momento medidas drásticas são tomadas. As pessoas são levadas para estádios, onde uma espécie de seleção é feita. A população é dividida em grupos de acordo com níveis de radiação registrados em cada uma: as com níveis mais altos são levadas para hospitais , onde passaram por processos de desintoxicação.
Os objetos pessoais, roupas, utensílios domésticos, fotos, e quaisquer outros que entraram em contato com o material ou com alguém que estava contaminado foram recolhidos e acondicionados em contêineres lacrados, colocados no nível do solo, revestidos de uma parede de aproximadamente um metro de espessura de concreto e chumbo.
O número exato de pessoas contaminadas é difícil de ser calculado, o que se sabe é que muitas pessoas foram expostas aos efeitos do césio, muitas com contaminação corporal externa revertida a tempo. Existem informações que dizem que cerca de129 pessoas apresentaram contaminação corporal interna e externa concreta, vindo a desenvolver sintomas e foram apenas medicadas. Porém, 49 foram internadas, sendo que 21 precisaram sofrer tratamento intensivo. Mas até hoje os contaminados ainda desenvolvem enfermidades relativas à contaminação radioativa. Muitos apresentaram deformidades em diversas partes do corpo.
O acidente com o Césio – 137 em Goiânia espalhou preconceito e medo dentro e fora da cidade. De acordo com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) este foi o maior acidente radiológico – que envolve uma fonte radioativa usada em hospitais – do mundo. Foi preciso um longo tempo para que Goiânia começasse a superar o forte impacto causado pela tragédia. As vítimas até hoje lutam por justiça e retratação das autoridades perante as atitudes equivocadas do passado.
Radioatividade: afinal, para que serve?
É normal que saibamos pouco sobre radioatividade, e que ela esteja em evidência, sobretudo em casos como este, quando ocupa o papel de vilã. Em 1987 a falta de conhecimento a respeito do tema e o despreparo diante da realidade inimaginável para o país agravou ainda mais a situação.
Para a professora de Química da UPF Ana Paula Härter Vaniel, o principal problema está em ligar radioatividade a algo negativo. “O grande problema é a confusão que as pessoas fazem ao achar que tudo que é radioativo é ruim”, comenta a professora.
Dados históricos indicam que o fenômeno de radioatividade foi observado pela primeira vez em 1896, quando o francês Henri Becquerel estudava os efeitos de luz solar sobre materiais fosforescentes, e que o primeiro caso de radioatividade artificial foi observado pelo casal Joliot-Curie durante a irradiação do alumínio com raios alfa, em um processo durante o qual se forma o fósforo radioativo.
Porém ela está presente em elementos da natureza e até mesmo em alguns alimentos, mas em níveis extremamente pequenos, que jamais teriam algum tipo de efeito para a saúde do ser humano. É o caso da banana, que possui potássio, e da água.
A principal diferença entre os elementos radioativos naturais e artificiais é que, enquanto os últimos são produzidos única e exclusivamente em laboratórios, através de uma transformação nuclear, ou da fissão nuclear, processo observado em usinas nucleares ou em bombas atômicas, os primeiros estão presentes no ambiente, e entram em contato com o ser humano o tempo todo, sem oferecer risco algum à saúde.
Materiais como o césio 137 são obtidos apenas em laboratório. Ana Paula comenta sobre as radiações alfa, beta e gama, que determinam o nível de profundidade e penetração dos elementos radioativos. “Alfa, por ser a mais pesada, tem um alcance menor. Já a beta é mais leve, e sendo assim apresenta um alcance maior. A mais perigosa é a radiação gama, que devido a sua alta energia, é capaz de penetrar profundamente na matéria”, explica.
Os benefícios são muitos
A radioatividade hoje está empregada de forma positiva em diversas áreas, como agricultura, indústria, medicina e até mesmo na produção de energia. Os benefícios que ela gera para o ser humano são inúmeros. Ana Paula cita a Energia Nuclear como sinônimo de economia de espaço e preservação do meio ambiente. “Com esse tipo de energia é possível se obter muito a partir de pouco e poupar o meio ambiente, já que não há poluição química”. Para ela, a maior parte dos acidentes radioativos e nucleares está mais ligada à falha humana do que ao material em si, que quando bem administrado não oferece riscos.
A irradiação, por exemplo, é um processo muito comum usado na conservação de frutas e é derivado da radiação, o que não somente aumenta a produção como também garante nossa saúde e a do meio ambiente. “Agora nesse momento estão ocorrendo reações radioativas no nosso organismo. A diferença é que as reações nucleares envolvem muito mais energia”, explica a professora.
Há uso de materiais radioativos também na medicina, pela chamada medicina nuclear. “Muitas pessoas podem nem imaginar, mas já fizeram uso da radioatividade de forma benéfica”, comenta Ana Paula. A química nuclear transformou os diagnósticos médicos e facilitou a descoberta de muitas doenças no organismo humano. O tratamento do câncer também é fruto dela, e garante aos pacientes esperanças de cura através da radioterapia.
O maior problema da administração de material radioativo está no lixo gerado. Ele permanece oferecendo risco durante um longo período. Em alguns casos pode gerar contaminação por mais de 100 mil anos.
O fator decisivo para tornar seguro o uso da energia nuclear é a química, que é usada na preparação do combustível, e também na remoção segura da utilização de resíduos nucleares, entre outros processos. “A maioria dos acidentes com materiais radioativos poderia ser evitada se tudo fosse feito da maneira mais segura e correta possível”, esclarece a pesquisadora.
15/07/14