CRTR/DF autua Fifa pela segunda vez em Brasília por acobertar o exercício ilegal das técnicas radiológicas durante a Copa
Pouca gente sabe, mas a radiação ionizante usada para fazer exames de raios X nos hospitais também é empregada nos escâneres de inspeção corporal utilizados pelas equipes de segurança nos estádios da Copa, nos aeroportos e até em presídios. Com o uso da tecnologia, é possível fazer uma varredura completa de cada pessoa sem sequer tocá-la. Qualquer substância ilegal ou objeto proibido pode ser facilmente identificado por meio das radiografias, desde que o equipamento seja operado por um profissional que entenda a física das imagens.
Se, por um lado, a tecnologia é fundamental para garantir a segurança da população em grandes eventos, por outro, pode ser nociva à saúde das pessoas, caso a operação não seja feita dentro de estritos limites de segurança, ao passo que a substância tem a capacidade de atravessar o corpo e causar alterações genéticas significativas.
Preocupado com a exposição das pessoas à radiação sem um rigoroso controle das doses absorvidas, o Conselho Regional de Técnicos em Radiologia do Distrito Federal (CRTR 1ª Região) autuou a Federação Internacional de Futebol (Fifa) por acobertar o exercício ilegal das técnicas radiológicas no Estádio Nacional Mané Garrincha. Cerca de 80 pessoas sem habilitação e inscrição profissional no conselho de classe foram flagradas trabalhando na inspeção de segurança dos jogos da Copa. Contudo, nenhuma delas possuía a formação mínima necessária para operar os equipamentos que emitem radiação ionizante, como está previsto na Lei n.º 7.394/85 e no Decreto n.º 92.790/86.
O primeiro flagrante foi feito no ano passado, durante a Copa das Confederações. Depois disso, o CRTR 1ª Região prestou esclarecimentos, apresentou a legislação que regulamenta a Radiologia no Brasil e tentou, diversas vezes, estabelecer um contato produtivo para resolver o problema. Entretanto, não houve respostas do Comitê Organizador Local (COL).
Por isso, outra fiscalização surpresa foi realizada dia 26 de junho de 2014, antes do jogo entre Gana e Portugal. Após vencer muita resistência, a fiscal Eliana Martins conseguiu entrar no estádio e constatar as irregularidades. “Mais uma vez, encontramos os mesmos problemas. Cerca de 80 funcionários sem competência e habilitação legal operando equipamentos emissores de radiação ionizante sem supervisão, sem equipamentos de proteção individual (EPIs) ou qualquer clareza sobre o que estava fazendo”, alega.
Não é diferente em outros estados. Em todas as cidades que sediaram jogos da Copa, a radiação ionizante foi empregada na inspeção de segurança dos estádios sem o cumprimento dos requisitos mínimos de segurança.
Mas, qual o problema?
De acordo com o mestre em Radioproteção e Dosimetria pelo IRD/CNEN, o professor Giovane Teixeira, ler radiografias e assimilar a conceitos de radioproteção exigem treinamento em cadeiras paralelas à simples formação da imagem, como a física das radiações e a radiobiologia, o que não é possível a um agente de segurança sem formação específica. “Um profissional com uma formação em análise de imagens, que estudou sobre a física das radiações e, especificamente, os parâmetros de imagem convencional e digital seria capaz de uma interpretação mais eficiente nessas inspeções, reduzindo assim os riscos envolvidos e aumentando a efetividade do sistema”, garante.
A radiação ionizante não tem cheiro, não tem cor ou gosto, mas tem a capacidade de entrar no corpo e, inclusive, provocar alterações genéticas. Portanto, é necessário que haja um controle rigoroso das doses absorvidas, o uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), que a estrutura seja construída com material que limite o alcance da ionização e que o profissional que opera o equipamento tenha formação adequada para garantir a eficiência do sistema. Sem isso, além de inseguro, o processo se torna ineficiente e o investimento, ineficaz.
Os efeitos das radiações ionizantes são classificados em dois tipos: os estocásticos e os determinísticos. O primeiro ocorre em função de pequenas exposições por longos intervalos de tempo, não possuindo um limiar de dose e se manifesta, principalmente, por alterações genéticas malignas (câncer). Os efeitos determinísticos ocorrem em função de altas doses de radiação em curtos intervalos de tempo. Um indivíduo que seja exposto a uma alta dose no cristalino, por exemplo, terá catarata; um indivíduo exposto na região das gônadas poderá ficar estéril temporariamente ou permanentemente, em função da dose que recebeu. Uma irradiação de corpo inteiro ou uma contaminação, como ocorreu em Goiânia com o Césio 137, pode gerar efeitos imediatos como náuseas, vômito, diarréia, dor de cabeça e até mesmo aborto espontâneo, colapso do sistema nervoso e a morte do indivíduo.
“A radiossensibilidade celular está diretamente relacionada com a taxa de reprodução do grupo celular. Quanto maior a taxa de reprodução, maior a radiossensibilidade. Então as células da pele, tireóide, gônadas e cristalino estão mais suscetíveis aos efeitos biológicos das radiações ionizantes. Portanto, devem estar protegidas no momento da exposição. Contudo, atualmente, os operadores desses equipamentos na área de segurança trabalham sem nenhum cuidado ou acompanhamento à saúde”, esclarece a presidenta do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER), Valdelice Teodoro. É recomendado que os operadores de escâneres façam exame de sangue com contagem de plaquetas a cada seis meses e, ao sinal de queda, o profissional seja afastado preventivamente até o reestabelecimento das taxas.
Há riscos para qualquer indivíduo exposto ocupacionalmente, mesmo que o equipamento produza baixas taxas de dose, em função das características de ocorrência dos efeitos estocásticos. Os riscos gerados por esse tipo de equipamento mudam em função das pré-disposições genéticas de cada indivíduo, podendo se agravar em crianças.
A tese de que a radiação ionizante de baixa intensidade não é nociva à saúde humana já foi derrubada em diversos artigos científicos de renome internacional. É consenso no meio acadêmico que a exposição à radiação sem um rigoroso controle das doses absorvidas provoca alterações do material genético das células e pode causar problemas de saúde, como câncer, anemia, pneumonia, falência do sistema imunológico, problemas na pele, entre outras doenças não menos graves, que podem induzir ao infarto ou derrame.
Entre os grupos de risco, o principal é o das gestantes. Uma grávida não pode ser exposta, principalmente, se estiver no primeiro trimestre da gravidez, período em que o feto tem maior nível de radiossensibilidade. Dependendo da exposição, a radiação pode perdurar em uma contagem significativa, gerando risco de efeitos biológicos para a criança.
De acordo com a Portaria ANVISA n.º 453/98, os limites pessoais determinados pela legislação são de 50 milisieverts (mSv) de dose efetiva por ano, devendo possuir uma média de 20 mSv em 5 anos, além de valores intermediários durante os meses, que traduzem níveis sujeitos à investigação e/ou intervenção laboratorial (exames citogenéticos) e notificação às autoridades reguladoras. Para monitorar essas doses, o profissional que lida diretamente com o equipamento deve usar um dispositivo chamado dosímetro. Nos aeroportos, os operadores de escâneres não fazem dosimetria ou uso de qualquer outro Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desfecho
Com base nos relatório de fiscalização, dentro dos próximos dias, o CRTR/DF vai multar a Fifa, a União e as empresas terceirizadas que subcontrataram os profissionais sem habilitação em regime de quarteirização.
A legislação específica que disciplina o exercício profissional das técnicas radiológicas é a Lei n.º 7.394/85 e o Decreto n.º 92.790/86. O marco regulatório deixa claro qual é a formação mínima necessária para operar equipamentos emissores de radiação ionizante. Além disso, os requisitos de proteção radiológica são definidos pela Portaria ANVISA n.º 453/98 e pela Convenção OIT 115, ratificada pelo Brasil ainda na década de 1960.
FONTE: CONTER
09/07/14